política industrial

Ao anunciar uma política industrial de “R$300 bilhões até 2026”, o governo provocou quase de imediato duas reações contrárias, seguindo um padrão que se repete no Brasil desde o governo de Fernando Henrique Cardoso.

O eleitorado de esquerda, contrário ao “neoliberalismo” e favorável à maior participação do Estado na economia, provavelmente deve estar pensando que “foi para isso que eu fiz o L”. Afinal, em contraste com o liberalismo prevalecente de 2016 a 2022 com Temer e Bolsonaro, agora o governo voltou a adotar uma política industrial significativa – R$300 bilhões são R$300 bilhões!

Já as correntes liberais terão uma reação de horror imediato, pelas razões contrárias. Além do desperdício de “tentar mais uma vez a mesma estratégia que sistematicamente deu errado no passado”, uma nova política industrial com volumes tão ambiciosos cria mais um risco no front fiscal.

Na verdade, porém, o anúncio da “Nova Indústria Brasil (NIB)” tem alguns elementos marotos que já constaram do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) em suas diversas versões.

O cidadão que se dispuser a ler o documento de 102 páginas da NIB, delineando o programa, certamente será assaltado por uma dúvida fundamental: afinal, o que é de fato novo, tendo sido decidido e lançado agora com a NIB, e o que são políticas públicas já em andamento, que continuariam em vigor com NIB ou sem NIB?

O documento não faz o menor esforço para dirimir essa dúvida. Aliás, esse é um dos segredos de marketing político da NIB, assim como foi do PAC no passado. Misturando o que já está em andamento com uma ou outra coisa nova, ou pelo menos mais recente, chega-se a um “numerão” que vai impressionar a sociedade, agradando quem gosta de política industrial e desagradando a quem não gosta.

Mas há também uma leitura positiva para iniciativas como o PAC e a NIB, que não deve ser menosprezada. Elas podem ser vistas como um esforço do governo para costurar uma lista enorme de programas e ferramentas de política pública, pulverizados pelos órgãos de governo, em um todo orgânico, que remeta a uma estratégia geral, consubstanciada agora na forma das “missões” preconizadas pela economista italiana Mariana Mazzucato, consultora da NIB, e orgulhosa do rebento.

Já na visão deste colunista, em termos das políticas já em andamento e a implementar, e dos instrumentos que já estão sendo usados e dos que ainda virão a ser empregados, a crítica dos liberais à NIB parece acertada.

Não há dúvida de que o Brasil é um país “desindustrializado”. Não há dúvida também de que a industrialização ampla, profunda e dinâmica é um elemento essencial do processo de rápido desenvolvimento e convergência para o nível de renda do mundo avançado por parte de muitos países do Leste asiático.

Dessa forma, assim como o câncer é ruim, a indústria é boa. Resta ver, entretanto, se a desindustrialização do Brasil é um processo que pode ser revertido e mitigado por políticas industriais como as que compõem boa parte do conteúdo (já em vigor ou a ser implantado) da NIB.

O Brasil tem algumas características que o tornam propenso à desindustrialização. Uma delas é ser um produtor espetacular de um portfólio diversificado e enormemente volumoso de commodities ou quase commodities, como soja, petróleo, minério de ferro, proteínas etc. As receitas em moeda forte trazidas pelas commodities tendem a calibrar o câmbio num nível que não é exatamente aquele que compensará todas as precariedades e custos que minam nossa competitividade internacional em produtos manufaturados.

Outra questão é que os caminhos da expressão democrática dos anseios do povo brasileiro desde a redemocratização nos empurraram na direção de um modelo “antiasiático”. No Brasil, levando em conta que se trata de um país de renda média, foi implantado um impressionante estado de bem-estar social, no qual o Estado se transformou basicamente em um redistribuidor de renda diretamente para as famílias (com papel significativo também de redistribuidor de subvenções diversas para empresas).

Parte excessiva dessa redistribuição é lamentavelmente apropriada pelos ricos, mas uma parcela muito grande vai de fato, e proritariamente, para os pobres. Por outro lado, uma das consequências é que o Brasil é um país de poupança doméstica muito baixa. Nos países do Leste asiático, ao contrário, a seguridade social é minimalista, induzindo as famílias a pouparem. A maior poupança asiática resulta – por razões macroeconômicas difíceis de resumir numa coluna como esta – num equilíbrio cambial bastante favorável à indústria, justamente o contrário do que ocorre no Brasil.

Nada disso significa que o Brasil precise ficar tão desindustrializado quanto se encontra no momento. O país tem tradição industrial e tem nichos de competitividade internacional com marcas renomadas (Embraer, Weg etc.). Em áreas industriais adjacentes ao negócio das commodities, o Brasil é especialmente dotado, por razões óbvias.

O problema da NIB é que a iniciativa do governo parece ignorar essas dificuldades peculiares do Brasil no quesito industrialização, assim como parece ignorar também erros cometidos por políticas industriais do passado. Assim, faltam à NIB – ou pelo menos não surgiram até agora com o devido destaque – elementos essenciais como limites de gasto e de tempo de iniciativas de política industrial, com critérios rigorosos para terminar programas; requerimentos de exportação (só produto competitivo internacionalmente produz a “mágica” do desenvolvimento econômico baseado na indústria); e um arcabouço institucional detalhado e crível de avaliação sistemática de todas as políticas públicas voltadas à produção.

Finalmente, como nota Alexandre Manoel, economista-chefe da AZ Quest, do ponto de vista fiscal, a NIB não parece ser a calamidade toda que alguns pintaram. Muito dos “R$ 300 bilhões” se refere a recursos de financiamento que já estavam disponíveis independentemente da NIB. A principal novidade recente nesta seara é a proposta de criação da Letra de Crédito do Desenvolvimento (LCD), que de certa forma permite ao BNDES, na visão de Manoel, compensar a perda de funding do PIS-Pasep na reforma da Previdência. Na análise do economista da AZ Quest, nos termos propostos até agora, a LCD não representa ameaça fiscal relevante.

Nesse sentido, Alexandre julga que a NIB, numa primeira análise, lembra mais a PITCE (Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior) de 2004, que desapontou os desenvolvimentistas pela baixa munição em termos financeiros, do que a bem mais ambiciosa PDP (Política de Desenvolvimento Produtivo), de 2008.

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